Eva, a heroína da humanidade, sob a luz da Psicanálise
- P. Pontes
- 15 de ago. de 2019
- 4 min de leitura

Freud revolucionou a história da humanidade através da criação da Psicanálise; por meio de seus estudos, pesquisas, trabalhos e ensaios os conceitos da Psique ganharam vida e trouxeram à luz dos fatos grande parte das causas de neuroses, complexos e traumas que antes eram desconhecidos.
Analisar a mente é uma tarefa mais que hercúlea, e dentro das possibilidades freudianas, tal trabalho foi concluído com maestria. A importância, o impacto e as mudanças que a Psicanálise trouxe para o mundo marcaram a história, mas essas descobertas são uma pequena ‘ponta de Iceberg’, ainda resta muito trabalho a fazer.
Foi através da mitologia que muitas de suas teorias ganharam destaque, pois o mito está inserido no contexto de vida desde as gerações mais remotas. As histórias de que se têm conhecimento hoje vêm de uma tradição oral desde antes da escrita; grupos e tribos se amontoavam em volta de fogueiras para compartilhar ideias, sonhos, visões e inspirações que hoje fazem parte do conteúdo do Inconsciente Coletivo.
As mitologias têm o importante papel de ajudar a resolver os dilemas da vida, é por meio de metáforas e analogias que se compreende o incompreensível, com os mitos nascem as religiões, com os mitos fazem-se ritos de passagem e com os mitos podemos entender parte do mundo psíquico.
Joseph Campbell em sua obra “O Herói das Mil Faces” já afirmava que os mitos se originavam de nossa própria mente, de acordo com ele:
“(...) os símbolos da mitologia não são fabricados: não podem ser ordenados, inventados ou permanentemente suprimidos. Esses símbolos são produções específicas da nossa psique e cada um deles traz em si, intacto, o poder criador da fonte. ”
(CAMPBELL, Joseph, 1949, p. 15-16).
Em uma de suas teorias mais polêmicas, Freud abalou as estruturas tradicionalistas e conservadoras de uma sociedade neurótica; através do mito de Édipo, ele descobriu um dos aspectos mais sombrios e surpreendentes da mente humana: a natureza edípica do homem.
E para não sucumbir aos próprios desejos, o EGO cria seus mecanismos de defesa, dando origem aos Complexos, que por sua vez são reprimidos e transformados em neuroses. Esse é o ciclo vicioso em que a humanidade caminha, no entanto, o papel da psicanálise é o de justamente trazer à tona esses problemas e capacitar o indivíduo a lidar com eles.
É necessário observar, contudo, que o Complexo de Édipo trazido à luz por Freud não é o único mal que assombra a psique humana. Da mesma forma que existe uma neurose de castração por conta deste complexo, existe também uma outra neurose de castração por conta de um Complexo ainda pouco discutido: O Complexo Incestuoso entre Irmãos.
Pode ser assombroso tomar conhecimento desses fatos, mas a verdade é que a natureza humana traz consigo uma infinidade de potenciais que podem ser construtivos ou destrutivos e isso dependerá apenas do sujeito individual e de sua postura diante deste conhecimento.
Um dos melhores mitos que se pode tomar como empréstimo para explicar esse novo Complexo, é o mito de Adão e Eva. Lançando um olhar puramente analítico para esse mito, podemos interpretá-lo de maneira incomum ao conhecimento popular. De acordo com a mitologia bíblica, no livro de Gênesis, deus cria o homem do barro e o faz dormir profundamente; após tirar um pedaço da costela de Adão, transforma a carne em uma mulher. Os dois passam a ser marido e mulher e vivem a plenitude de seu amor no jardim do Éden, até que comem do fruto proibido e são expulsos e condenados a vagar pelo mundo terreno por terem sido desobedientes.
Esse mito deixa claro o parentesco entre Adão e Eva, os dois são irmãos gêmeos, formados e tragos à vida através de um mesmo DNA e essa relação incestuosa é desconhecida de ambos, pois permanecem na inocência da infância, aqui retratada como o Jardim do Éden.
Nada melhor para representar o Inconsciente infantil do que a figura do paraíso, um lugar onde tudo é lúdico, mágico e possível. Na mente infantil, os acontecimentos incestuosos nada mais são do que uma história de amor, assim como no mito de Édipo.
Essa inocência é preservada e protegida até que se atinja a puberdade e a maturidade, representada na imagem do fruto proibido. Deus proíbe os irmãos de tomarem o conhecimento de seu amor utópico e incestuoso, pois seria penoso demais para a mente suportar a verdade de tal desejo, mas permanecer nessa ilusão fantasiosa jamais permitiria o prazer da liberdade sobre a própria vida.
A infância, apesar de sua doce inocência, se torna um cárcere, e antes que se atinja a puberdade, tudo o que os pais ordenam a criança estará fadada a obedecer sem questionar. Os desejos mais sombrios e profundos da fase infantil permanecem inconscientes, e o Complexo do Incesto não passa de uma fantasia até que se prove do fruto proibido: o fruto do conhecimento do bem e do mal.
Ao contrário do que normalmente se entende na figura de Eva, no mito ela é a heroína, aquela que traz a liberdade de poder tomar as próprias decisões, pois escolheu banir de vez a ignorância que antes a impedia de entender sua relação incestuosa com o irmão Adão.
Não fosse pela serpente (que por sinal é o símbolo do conhecimento e da sabedoria), os irmãos Adão e Eva estariam condenados a viver uma vida de mentiras, baseada numa ilusão que não permitia ver o ato incestuoso que estavam cometendo.
Uma vez em posse desse conhecimento, é penoso demais aceitar a verdade dos fatos: os desejos incestuosos de um para com o outro, mas por outro lado, quando o desejo é descoberto, ambos alcançam a própria maturidade (expulsão do jardim) e agora precisam se responsabilizar pelos próprios atos.
Esse mito é apenas uma maneira metafórica de retratar um pouco do que se passa pela mente humana, assim como o Complexo de Édipo que Freud interpretou através da mitologia, esse novo Complexo de Adão e Eva também retrata mais um dos desejos e anseios sombrios que a mente humana esconde; uma vez que tomamos conhecimento disso, é possível dar mais um passo adiante rumo à evolução e ao conhecimento de si mesmo.
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